sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Cantina Sogni d'oro!


Um dia cansativo chega ao fim. Ele caminha a passos de zumbi até a cozinha de Pepe. Entra pelos fundos para não ser notado pelos clientes do grande amigo italiano que ao vê-lo diz:
- Mio dio che cosa ci fai qui in questo stato? (Meu Deus o que você está fazendo aqui neste estado?).
- Tive um dia muito pesado, alias, uma semana daquelas. Tem como me preparar a pizza da Mama de oito fatias?
- Tens certeza mio amico?
- Sim, sim.
- Certo. Vou fazer. Vinho?
- Sim.
Enquanto esperava Pepe fazer a pizza encaminhou-se para uma mesa vaga da cantina e degustou a garrafa do vinho que preparava o coração. Ao término da garrafa, a pizza estava pronta. 
- Buon appetito! 
Olhou para a pizza fixamente, fez uma prece e enquanto a olhava suas papilas gustativas começavam a funcionar. 
Pegou a primeira fatia com a mão mesmo, sem guardanapo, tampouco garfo e faca. Foi matar logo a sua fome. Estava diante daquela que se alimentava das suas vísceras. Não teve muito tempo para saborear a fina massa preparada pelo italiano. Era como a segunda-feira. O abre-alas da semana. A que queremos que logo vá embora, que seja devorada. 
A segunda fatia foi engolida de maneira um pouco menos veloz, mas ainda assim rápida. Queria que chegasse logo a quarta-feira. O dia que para ele consta como sendo a metade da semana, o dia que vamos dar uma parada e foi assim que o fez na terceira fatia, a quarta-feira. 
Para degustar esta levantou a cabeça, respirou fundo e pediu um refrigerante. Enquanto a bebida não chegava, pensava um pouco na vida e percebeu que sua língua estava queimada. Foram as duas primeiras fatias que estavam muito quentes, mas por serem os dois primeiros dias da semana, não as quis sentir passar por suas papilas, mesmo elas se mostrando ansiosas para ficar, não ficaram. Entraram e desceram o túnel como as anteriores.
A quarta fatia já a degustou de maneira tal que sentiu prazer com a sua passagem. Era a fatia que antecipava a que para ele era a melhor: a quinta fatia, a sexta-feira.
Essa era especial. Antes de degustá-la pediu a carta de vinhos. Essa merecia uma acompanhante a altura. Esperou de maneira aflita sua acompanhante. Enfim ela chegou. Olhou para a combinação. Sentiu um enorme prazer antes mesmo de toca-las. Estava excitado. As comeu calmamente. 
A sexta fatia chegou com a sensação de empanzinamento, mas a comeu. A ressaca gastronômica já se fazia presente no sábado. 
A sétima era o domingão. Chinelo, sofá e cobertas. Foi assim que ele, já com o ritmo muito devagar, digeriu o último dia da semana, que na realidade é o primeiro, no entanto, não é esta a ordem dele. 
Parou diante da última fatia. O nome dela era saudade. Com elas nas mãos deixou uma lágrima escorrer por seu rosto. A cada milímetro percorrido por ela uma lembrança de outrora se fazia presente em sua boca seca. Sentia seu coração bater acelerado e preso em sua garganta. Os clientes assustados notaram que ele pediu a pizza da Mama e chegará à última fatia. 
Ele estava brincando de estátua. Somente quem se movia era a água que percorria calmamente sua face até parar. Parou na lembrança que ele mais gostava.
Via-se trancado no banheiro com milhares de músicas tocando em sua mente. Dançava de um jeito que só ele e Deus conheciam. Cantava todas as músicas sem ninguém ouvir quais eram. Era o seu segredo, a sua lembrança.
Pisca o olho. Acelera a queda da gota. Deixa a fatia de pizza no prato e se vai.
Esta, a lembrança, a saudade, ele jamais poderia devorar, tampouco degustar. Queria tê-la com ele. 
Pois ainda hoje, muitos anos depois, tem este mesmo momento com Deus. 



2 comentários:

  1. Gosteii! A metáfora é muito boa e conduz o leitor até o fim. Gostei tb da forma como conduziu a relação entre o alimento, a pizza, e os sentimentos humanos! Bom texto!!

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  2. Obg Beth! Pensei em você e nas nossas conversas quando escrevi! =D

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