A menina Naya segurando o trabalho-arte de Débora Assunção. |
Desde adquiri o filtro de sonhos que a vida na madrugada é a mesma, dormir, somente isso. Não há idas ao banheiro, ataques à geladeira nem pausas para sonhar ou acordar assustado após pesadelos. Conversas noturnas com amigos nas redes sociais faz parte do passado. Coincidentemente à aquisição do filtro, o ato de dormir se tornou apenas dormir.
As crianças dirão que é por causa do filtro; os adultos, que me livrei de algum problema. Mas e eu, o que acho? (Estou com os pequenos!).
Quando enfim os olhos resolveram coloborar, parti para minhas obrigações.
No momento em que percebi meus olhos abertos, fui em direção da janela, como de costume, para ver a vida enquanto tomava meu café da manhã.
De um lado carros, do outro uma bolha de calor, à frente pessoas caminhando para seus compromissos e atrás de mim, minha cama. Resisti e fui, como todo "ser normal", conquistar o pão nosso de cada dia. No entanto, diante do que vi pelo janelão da Demócrito, ir de carro seria inviável. Bicicleta? Ainda não quero virar pasta no asfalto. Transporte coletivo era a solução. Fone no ouvido e lá vou eu para meu dia atipico.
O ônibus não demorou, como de costume. Nada nesse dia foi "como de costume".
O coletivo veio cheio, mas não lotado e em poucos minutos estava vazio. Eu fui sentar-me no banco alto, como faz todo bom moleque. De lá podia ver o longo congestionamento a frente. Via também que o motorista do ônibus no qual eu estava, era um mescla de kamikaze com Ayrton Senna. Surpreendentemente ele não matou ninguém e só andou pelo lado da sombra.
Foi desse lado que senti aquela gostosa brisa matinal e natural que pensei ter sido extinta; que pude perceber um senhor sentado numa cadeira de rodas na frente do hospital pegando sol, enxerguei esse mesmo senhor tirando a camisa branca de doente após passar por ele um jovem marrombado, o senhor bateu no peito e exclamou: Aqui sim há saúde! O marrombado olhou e sorriu, assim como fizeram os enfermeiros que o acompanhavam. Ainda nesse longo parágrafo, pude ver uma família que quero para mim: marido e mulher sentados tendo em seus colos o casal de gêmeos. O menino logo me "deu legal", fazendo com que eu sorisse e respondesse da mesma maneira. Para a menina, que me olhava escondida, eu "dei tchau", a sua reação foi esconder-se de baixo das assas do pai impedindo que seu sorriso timido fosse visto por todos.
Mais adiante vi uma jovem deficiente visual parada esperando alguém vir ajuda-lá a atravessar a movimentada avenida. Eis que a ajuda veio. Um jovem que dirigia um carro, ligou o alerta, parou o carro e foi prestar-lhe-a ajuda. Ela abriu um enorme sorriso, enquanto isso, Ayrton Senna kamikaze, jogou o ônibus para a outra faixa para não colidir com o carro do jovem. Ambos ficaram por alguns segundos se encarando, enquanto isso, a jovem esperava ser conduzida até o outro lado. Naqueles longos segundos de duelo de faroeste, o motorista kamikaze respirou fundo, enxugou o suor do rosto e, para minha surpresa, ficou de pé para aplaudir o gesto do rapaz. Ao sentar-se, atravessou o ônibus na pista de maneira que a jovem pudesse ser conduzida até o outro lado tranquilamente.
Desta mesma maneira o jovem voltou para o carro e se foi. Desta mesma maneira o motorista passou a conduzir o transporte coletivo. Desta mesma maneira minha vida seguiu.
A minha saída foi manter a vibe também nos ouvidos. Apertei o play para Arlindão (Arlindo Cruz) e mantive a frequência ouvindo "O Bem".
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