Depois de um fim de semana com sabor de domingo...
Amanheceu como de costume: o
celular gritou que é hora dos compromissos; o corpo clama por cama; a mente
ainda confusa não pensa, é insana e o coração, bombeia paz!
Vinte minutos após o grito do
aparelho externo a mim resolvo cumprir com o combinado.
Lá vou eu levantar cambaleando,
ouvir meu irmão exclamar “ô vidão!”, degustar um breve e saboroso leite com
chocolate, banho e rua.
No caminho, já sem sono e
totalmente conectado ao aparelhinho que contém uma parte significativa da minha
vida, resolvo escutar a trilha do dia, a trilha sonora do momento: Happy.
Assim como todo o conjunto
presente nessa música, lá vou eu simplesmente feliz, assim mesmo, sem
explicação. O que me remeteu a algumas prosas:
- Eaí man? Tudo na paz? –
perguntaram eles. Eaí menino? Tudo bem? – perguntaram elas.
- Tudo um brisa! – aprendi o
amplo significado desta.
- Que bom! Você “tá” bem mesmo
né? Dá para perceber. Qual é o motivo!
Respondi com o meu clássico:
Rapaaaaaaaz, tem não! Só estou bem leve! Matando no peito os problemas e
chutando para longe e deixando no peito os que são bons! Simples assim!
- Bonito isso! Mas fale a verdade. Qual é o
nome dela?
- Dela quem? – questiono.
- Dessa mulher que está te
fazendo ficar assim!
- Tem não! Foi só uma mudança na
maneira de encarar a vida. Passei a não mais encará-la para leva-la (a vida)
comigo!
Uma longa buzina me fez retornar
ao lugar onde deveria estar: atrás do volante e não naquelas nuvenzinhas acima
da cabeça quando estamos imaginado coisas (elas existem também na vida real,
não são exclusivas dos quadrinhos).
Como aprendi em casa e revi com
alguns amigos “doideiras” quando estamos bem as pessoas boas se (re)aproximam e
as coisas boas também. Foi assim que não cheguei atrasado aos meus compromissos
da manhã.
Foi um guarda me deixando passar
aqui, um executivo me dando passagem ali, o semáforo abrindo assim que dobrei a
esquina e por último àquela vaguinha esperta na frente do trabalho.
- Quero mais o quê? Diz aí porque
para mim, está na medida!
Volto para casa e
surpreendentemente não há congestionamento na rua! Mais músicas “alegria,
alegria!” tocam no walkman até que resolvo olhar para o lado.
Um casal de idosos na Avenida Agamenon
Magalhães (que poderiam estar em qualquer grande avenida de
uma grande cidade)
parados pedindo dinheiro. Normal se...
Se a senhora não estivesse
cuspindo no chão.
Normal se...
Se ela não segurasse uma caixa de
remédio, o provável motivo de estar ali.
Normal se...
O senhor ao lado dela (provável marido)
não estivesse com uma sonda.
Normal se...
Ele não segurasse uma vasilha que
deveria haver comida e não esmolas.
Normal se...
Ele não estivesse em pé e TODO enfaixado.
Normal se...
Não desse para ver o sangue
misturado na urina.
Normal?
A vontade de parar o carro e
atravessar as quatro faixas para dar dinheiro era enorme.
A percepção de que meu ato não
seria o suficiente era enorme.
O silêncio era enorme.
A vontade de chorar também.
Podia ouvir a vida em alto e bom
som me questionar:
- Eaí novinho, vai fazer o quê?
Outra buzina me trouxe a
realidade. Ainda olhando para o casal ao lado acelerei. Mais adiante liguei o
foda-se. Parei o carro, liguei o alerta e desci. O agente de trânsito me olhava
querendo entender.
Abri a carteira e dei tudo o que
tinha. Abri o coração e abracei ambos. Abri a consciência e, em lágrimas,
perguntei:
- Precisa de mais alguma coisa?
O senhor acariciou-me a face e
disse:
- Vá com Deus, meu filho! Sawabona!*¹
- Shikoba!*²
Voltei para o carro com um
embrulho na alma e ainda sem conseguir segurar as lágrimas. Lembrei-me dos meus
pais. Lembrei-me dos seus ensinamentos de agradecer SEMPRE! Enquanto agradecia
escutei alguém batendo no vidro do carro. Era o agente. Quando olhei para o
lado, ele chorava mais do que eu.
- Não sei se te agradeço ou
reclamo contigo. – disse o homem que faz as vias fluírem.
- Por quê?
- Porque estou aqui desde as seis
horas da manhã, vi esse casal chegar por volta das sete, me incomodou, mas não
a ponto de ajuda-los e deixei para lá. Vá com Deus rapaz. E fique tranquilo que
a multa será rasgada.
- Fico com Deus e com a consciência
tranquila, pois cada um faz o que pode, quando pode. Você está fazendo as vias fluírem.
Já é alguma coisa, não?
Deixei a partida e parti. Mas não
mais ao som de Happy. Era tudo vácuo, era a ausência de algo que nem sabia mais
se existia ou não.
De repente eles surgem me
fortalecendo mais uma vez, Emicida e Rael.
“... às vezes não tem motivos para seguir
Vai, levanta e anda, vai levanta e anda!“
O literal não podia ser feito, então dobrei a esquina e deparei-me
com o congestionamento. Tudo o que não queria estava lá. Quando menos
movimento, mais tempo para estar imerso nas nuvenzinhas acima de mim, o que não
seria deleitoso.
Tentava fugir das nuvenzinhas que se aproximavam de maneira
perigosa eis que O Rappa veio até mim com as suas crianças e, se fosse mais
evangélico diria que enxerguei a luz, como não sou apenas olhei para o céu que
me apresentava à vida, que me apresentava um pouco dos meus ideais.
A minha frente, no meu caminho, o céu estava azul; a
noroeste, o céu era tempestade, no desvio do meu caminho!
Basta escolher: continuar meu caminho (sem desconsiderar o
quanto eu já caminhei) ou fugir do meu caminho pegando um desvio.
No Walkman:
Happy, Pharrell Williams
Levanta e anda, Emicida e Rael
Não perca as crianças de vista, O Rappa
A estrada, Cidade Negra.
Faça bom proveito!
*¹ Sawabona – eu te respeito, eu te valorizo. Você é
importante para mim!
*² Shikoba – então, eu existo para você!